Resgatando ipsis litteris texto postado em 20 de outubro de 2004, isto ainda primeira versão do blog .
Quarta-feira, Outubro 20, 2004
Cine Pedra
A cidade tinha dois cinemas: Cine Pedra e o Cine Real. Os equipamentos de
reprodução do Cine Real eram mais novos, mas o Cine Pedra tinha um charme
especial por ser o primeiro cinema da cidade. Aliás, um dos primeiros cinemas
do Brasil.
Eu sempre preferi o Cine Pedra. E ali naquele espaço amplo, tela grande,
cadeiras desconfortáveis, som de péssima qualidade e com uma irritante parada
no meio do filme para troca de rolos, eu tomava conhecimento de um outro mundo.
Conhecimento que chegava de forma barata. Os preços dos ingressos cabiam
perfeitamente em meu bolso de criança/adolescente.
Os filmes chegavam em Delmiro Gouveia muito tempo depois que havia passado nas
grandes cidades. Mas mesmo assim a expectativa era grande. O legal era que o
ilegal prevalecia não havia censura. Vivíamos tempos duros de ditadura militar.
Mas não havia censor em DG. E também não havia a onda do politicamente correto.
Portanto filmes violentos eram assistidos por todos indistintamente. Vi o
Charles Bronson e o Clint Eastwood matarem muita gente. Cenas de sexo e nudez
eram raras. Não faziam parte da cinematografia da época. Mas quando numa típica
pornochanchada dos anos 70, aparecia apenas um seio ou uma bunda na tela, a
gritaria era geral. Nu frontal nem pensar.
E assim assistia-se a tudo. Os filmes geralmente ficavam em exibição por apenas
três dias. E nos finais de semana havia promoção. Com o preço de um assistia-se
dois.
Geralmente eram filmes com atores desconhecidos e inexpressivos. Filmes
baratos. Classe B mesmo. Não tinha importância. Não era seletivo e muito menos
entendia de estética ou crítica cinematográfica. Porém às vezes chegavam (com
muito atraso) filmes clássicos ou ganhadores de Oscar: O Exorcista, Inferno na
Torre, Spartacus, Love Story, Pappilon. Nestes dias o Cine Pedra lotava.
O Cine Pedra pertencia à Cia Agro Fabril Mercantil e era arrendado ao Sr. José
Pedrão Os funcionários do cinema durante o dia tinham outras atividades. Aquilo
era apenas um bico. Assim o Zé Miguel (pai do César Pregão) era o bilheteiro. E
a portaria ficava a cargo do seu Américo. A Patrícia, nossa colega de turma, e
filha do Zé Pedrão, às vezes, ficava também na bilheteria.
Creio que tinha coisas que só aconteciam no Cine Pedra:
a) Como não havia motéis em DG, alguns casais mais espertos e com hormônios em
ebulição, procuravam discreta e furtivamente ficar nas escadarias da saída.
Obviamente escondidos por grossas cortinas. Talvez alguns jovens delmirenses
tenham sido concebidos nestes momentos lúdico-eróticos. Perguntem aos seus
pais. Encabulem os velhos.
b) Em alguns dias a meninada com grana curta e por pura molecagem, entrava nas
casas da Vila Operária, que ficava ao lado do cinema, e pulavam o muro. O ato
era conhecido como malhar. Entrar sem pagar. Com certa freqüência, alguns
meninos, figurinhas carimbadas, eram conhecidas do Sr. Américo. Então ele
pegava o dito cujo pelas orelhas e botava-o para fora. Mas o círculo vicioso se
repetia.
c) Nos domingos pela manhã as instalações do Cine Pedra eram cedidas para a
realização do Programa de Calouros. Um palco onde os delmirenses talentosos ou
corajosos se apresentavam. Eram bastante comuns nestes programas os
encerramentos ser feito por um astro local: O Ronny Seixas ou o Fred Clóvis,
este cantando o seu maior sucesso (Psicopata do Amor). Também havia sorteio de
brindes. Quem respondia algumas perguntas de conhecimentos gerais ganhava. Eu
particularmente ganhei alguns prêmios valiosos. Talvez o mais caro deles tenha
sido um conjunto de copos americanos, daqueles bem pebas, conhecidos como
pega-bêbados.
Os cinemas em DG fecharam há mais de uma década. O prédio do Cine Real foi
transformado numa Igreja Evangélica, apenas repetindo numa escala delmirense, o
ocorrido em tantas outras cidades deste país.
No local do Cine Pedra, funciona exatamente onde era a cabine de projeção os
estúdios da Rádio Delmiro AM/FM.
Em junho de 2002 estive visitando o local. Estúdios modernos e equipados com o
que há de melhor no setor. O Adriano Pereira (locutor) nos mostrou tudo com
entusiasmo.
No entanto teve algo que doeu na minha alma. E fez-me sentir um pouco como
aquele personagem de Cinema Paradiso, ao ver que o cinema de sua infância havia
sido transformado num estacionamento.
Para minha surpresa e decepção o espaço onde ficavam as cadeiras do Cine Pedra,
onde eu sentava e via o mundo de uma forma deslumbrante e multicolorido de
imagens e sons, havia se transformado num depósito de colchões.
Pateticamente senti saudades da infância.
Dois dias depois fiz um complemento da postagem a qual reproduzo a seguir:
Sexta-feira, Outubro 22, 2004
Ainda o Cine Pedra.Para quem não conhece a cidade de Delmiro Gouveia, ou até mesmo, para os delmirenses das novas gerações, as fotos servem para situar um pouco. Estas fotografias foram digitalizadas de uma edição especial da Revista Continente Multicultural sobre o empreendedor Delmiro Gouveia, por ocasião do 140º aniversário de seu nascimento.
No original é uma montagem de cinco fotografias sobrepostas, onde se tem uma vista panorâmica de parte da fábrica, da rua principal, onde hoje é Avenida Castelo Branco indo até a Igreja Nossa Senhora do Rosário. Por questão de espaço e por ser uma continuação do post anterior, optei por uma vista parcial.
Ainda no início dos anos setenta, a arquitetura das casas da Vila Operária, não havia sofrido profundas transformações. Hoje está bem diferente. O que se mantém apenas, é que as casas continuam conjugadas.
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