quarta-feira, 4 de junho de 2014

100 Anos da Fábrica da Pedra ou a Classe Operária Vai ao Paraíso


Dentro do espírito comemorativo dos 100 anos da Fábrica da Pedra, aproveito para resgatar texto postado em outubro/2004. Foi um dos primeiros textos do blog. E nele narro de forma breve algumas vagas lembranças dos meus tempos de "operário".




A CLASSE OPERÁRIA VAI AO PARAÍSO (título de um filme italiano dos anos 70, e que durante muitos anos esteve proibido pela censura. O protagonista era o Jean Maria Volanté) (texto de César Tavares e postado originalmente em 29 de outubro de 2004 na primeira versão do blog Amigos de Delmiro Gouveia)

Saída dos Operários da Camisaria às 11 horas e alguns minutos. Imagem feita no final dos anos 70. Nela aparece o autor do texto e sua amiga Lalide Batista

Onze horas soava o apito da fábrica. Era o final do primeiro expediente para os operários da Divisão de Confecções da Cia Agro Fabril Mercantil. Eram dois turnos de trabalho. Iniciava-se às 6 horas e ia até às 11 horas. Havia um intervalo de duas horas para o almoço. Voltava-se às 13 horas e trabalhava-se até às 17. Num total de nove horas diárias de segunda a quinta-feira. Na sexta-feira a jornada durava oito horas. E aos sábados só havia o primeiro expediente. Totalizando 48 horas semanais. 

Então um pouco além das onze horas as ruas delmirenses ficavam cheias de apressados operários, devidamente fardados, se dirigindo as suas casas para o almoço. 

Trabalhei neste ritmo durante quase cinco anos. Comecei aos 14 de idade. Na época era permitido. A Constituição Federal de 1988 reduziu a jornada para 44 horas semanais e proibiu o trabalho a menores de 16 anos. Hoje seria considerada exploração de mão-de-obra infantil. 

Naquela época a Divisão de Confecção com os seus diversos setores: camisaria calçaria, setor de lençóis, setor de pijamas e cuecas, gerava em torno de uns 800 empregos diretos. A fábrica como um todo tinha uns 2000 empregados. 

Minha primeira função foi de auxiliar de expedição. O chefe da seção era o Rosalvo Nóia(Doda). Como colega de trabalho lembro bem do Murilo Liberato (Moura), ele procurava dar-me algumas orientações no início. Eu ainda um garoto e ele já adulto. 

Vinte e um anos depois numa visita as instalações da nova Fábrica da Pedra, revi o Murilo. Fiquei feliz e ao mesmo tempo desapontado. Ele não me reconheceu. Mesmo eu lembrando de todos os nomes das pessoas daqueles tempos de expedição: Gilson Alemão, Doda, Nildo, Maribondo, Cassimiro, Galego, Éder Matagrande, Erasmo Cegueta. 

Mas o importante é que eu lembro dele e das suas dicas. Ele sempre fazia suas tarefas de forma bem-humorada e tranqüila. 

Na expedição trabalhei creio que menos de um ano. Depois fui promovido para cronometrista. E passei a ter como chefe o Valmir Bezerra(Bafão). Gente boa. Um sujeito calmo, inteligente e paciente. Nas poucas vezes em que voltei em DG após 1981, sempre fiz questão de trocar umas palavras com o Valmir. 

O cronometrista é aquele cara responsável por estudos de tempos e movimentos. Eu executava o trabalho sem grandes dificuldades e nem sabia da importância de tudo aquilo. Mas sempre eu estava procurando formas de aumentar a produção das costureiras. 

Alguns anos depois ao entrar na universidade e pagando as cadeiras de Teoria Geral da Administração e que tomei conhecimento dos trabalhos de Taylor e Gilbreth, é que vi o quanto eu havia contribuído de forma meio alienada para aumentar a mais-valia do patrão. Aqui fica o registro da minha Mea Culpa. Confesso.(risos). 

Ainda lembro nitidamente que ao sair para o almoço, tinha por hábito esperar a Lalide, e então íamos batendo papo. Colocando as conversas em dia. Ela era minha grande amiga e colega de classe no GVM. Pois trabalhávamos o dia inteiro. E a noite estudávamos. Interessante é que nossos números na chamada de classe sempre eram juntos: 33 e 34. 

A foto abaixo foi tirada numa destas saídas. Tomei conhecimento desta fotografia algum tempo depois e a adquiri. Gosto dela porque não foi posada. Tudo o que aparece nestas cores esmaecidas pelo tempo é natural e espontâneo. E também porque também traz à lembrança do início da minha vida profissional: um jovem operário delmirense. 

Eu deveria ter nesta época uns 16 ou 17 anos. Ainda magro e com cabelos. O contrário de hoje. 

2 comentários:

simone jatobá disse...

Fiquei muito feliz com o seu relato. lembrei também quando trabalhei no escritório do almoxarifado da fábrica.Tempo bom que jamais esqueceremos.Foi uma experiência muito mais muito importante em minha vida.A Fábrica era na verdade o ponto de partida para o nosso crescimento.Hoje lembro de cada tarefa que execute.

Paulo Roberto disse...

César,

Nessa foto aparece o senhor Hortêncio Cesário, que era mecânico na tecelagem, onde trabalhei com ele no final da década de 70. Sr. Hortêncio tocava sax, pai de Iêda e Icléia e esposo da minha madrinha Elza. Infelizmente faleceu.
Muito boa essa postagem.