Dentro da série "resgate e customização" (palavrinha da moda) reeditamos os textos postados nos blogs anteriores. Hoje trazemos o texto do Paulo da Cruz, agora acrescidos com imagens enviadas pelo Eduardo Menezes.
Sexta-feira, Setembro 01, 2006
Hoje o texto é longo. Mas vale a pena ler até o fim. O nosso colaborador teve um trabalho imenso em puxar tanto por sua memória fenomenal. Enfim temos um completo mapeamento histórico das origens da Rua do ABC. Do seu povo. Da sua gente. Dos seus costumes e dos acontecimentos que marcaram de forma indelével a vida de um garoto. E que hoje presta a sua homenagem a tantos nomes do passado e alguns ainda bem presentes no cotidiano da cidade de Delmiro Gouveia.(a Macondo sertaneja)
REMINISCÊNCIAS DA RUA DO ABC
Texto de Paulo da Cruz.
Não sei se esse texto vai interessar a quem não morou na Rua do ABC. Talvez não interesse nem aos que por lá residiram, cresceram e fizeram amizades de infância.
DG tem algumas ruas que eram muito conhecidas, talvez por estarem localizadas em locais estratégicos. Posso citar algumas delas e creio que hoje deve ter muito mais ruas que servem como referência. Quando residi em DG as ruas que eu ouvia falar mais os seus nomes eram: ABC (eu morava na rua continuação), Carlos Lacerda (depois mudou o nome para Castelo Branco), Delmiro Gouveia, 7 de Setembro, 13 de Maio e Freitas Cavalcante. Provavelmente, dado que eu já era adolescente, tinha alguma garota atraindo a minha atenção ou de algum amigo meu. A Rua do ABC, objeto deste texto, tinha quando eu por lá cheguei, em 1956, tinha limites já definidos.
A rua começa junto ao desvio onde o trem fazia manobra (hoje no local tem um bar de rua, quase em frente ao Banco do Brasil) e ia até uma cerca de arame farpado junto a vários pés de uma planta conhecida como labirinto. Por sinal essa planta tinha uma seiva leitosa que diziam que cegava. Talvez mais uma lenda urbana. No início da Rua do ABC ficavam a residência do Dr. Ulisses Luna e a Mercearia de Condillac (Conde). A rua quebrava, no seu lado direito, entre as casas do Seu Zeca Norberto e Zé Elias. O beco que essa quebra provocava me deixa uma dúvida quanto ao seu nome: é beco de Zé Elias/Zeca Norberto ou de Luiz Xavier. Esse beco por sinal tem muitas histórias. Não lembro que ele tivesse iluminação própria, acho que pegava os resquícios da luminosidade das ruas que se comunicavam através dele.
Por esse beco regressavam, às suas casas, as garotas que estudavam no ginásio e residiam na Rua do ABC. Eram as famosas meninas da Rua do ABC. Não sei porque, mas elas só regressavam em bando. Acho que tinham medo de alguma alma penada que já estivesse assinando o ponto antes da meia-noite. Mais adiante, agora pelo lado esquerdo, tinha o Beco de Zé Panta. Zé Panta Godoy, segundo contam, foi quem matou Maria Bonita, ou Lampião, não sei ao certo. Esse beco levava à Rua do Correio. Essa rua evidentemente tem nome. Eu não lembro. Ouvia as pessoas se referirem a ela assim.
Continuando a subir a rua chegava-se a dois becos um após a casa do Seu Agenor Norberto (depois foi o Hotel de Dona DasGraças), pelo lado direito, iniciando a Rua da Travessa, e o outro, pelo lado esquerdo, que dava para o curral ou matadouro municipal. Era matadouro mesmo. Não sei como a população conseguia consumir carne e não se contaminar, dadas as péssimas condições de higiene do local. Aliás, não existia higiene nenhuma. Só para ilustrar após o famoso curral tinha dois cercados, o de Seu Agenor e o de Jaime. O de Jaime tinha uma pequena represa onde alguns tomavam banho. Lembro que lá tinha um barro muito bom para fazer balas para usar com o estilingue (era chamada também de peteca).
Voltando a Rua do ABC. O beco ficava entre as casas de Pepeda (alguém lembra dele) e de Dona Leobina (uma senhora residente no Sinimbu que costumava alugar essa casa). Vizinha a casa de Pepeda ficava a Mercearia de Dona Rita, esposa do Seu Zé Leite, já citado aqui no blog quando foi contada a história da Botija. Essa era a parte nobre da Rua do ABC, onde moravam as pessoas de maior poder aquisitivo.
Vou tentar relembrar alguns moradores ilustres e com certeza vou cometer injustiça esquecendo alguns. Dr. Ulisses Luna, pai de Delmiro e Solange (médico, fazendeiro e ex-prefeito), Dona Maria Clementina (viúva do Cel Ulisses, o homem que deu guarida a Delmiro Gouveia quando ele chegou ao sertão das Alagoas), Seu Enoque, pai de Nelson, Elias (agente do IBGE), Maninho (proprietário do bar famoso), Mireta (irmã de Maninho), Dona Julia Santana (costureira), Seu Lino, pai de Zé de Lino (fazendeiro), Seu ... Santana (artesão do ramo de couro), Seu Antônio Nezinho, avô de Aline (comerciante), Seu Zé Panta, pai de Cilinho (ramo de transportes), Seu Antônio Exalto (comerciante), Lula Braga, pai de Carlinhos (alfaiate e proprietário de bar), Seu Joãozinho de Maroca, pai de Tôtô e vários outros colegas (ramo de transportes), Seu Agenor Norberto, pai de Kleber (funcionário destacado do fábrica), Seu Zé Leite, avô de Toinho de Cacilda (comerciante), Jaime (criador de gado de leite), Benedito Freire, pai de Gedalvo, Paulo, Rui e tantos outros (comerciante e ex-vereador), Seu Heleno, pai de Tom Mix e vários outros (dono de marcenaria), Seu Zé Alves, pai de Eraldo e Gilda (comerciante), Seu José Lima (fazendeiro - antes a casa foi de propriedade do Seu Gaudêncio Lisboa, ex-prefeito), Seu João Liberato (comerciante), Seu Davizinho, pai de Luiz (comerciante), Eurico, pai de Euriquinho e Zezinho (protético), João Enfermeiro, pai de Paulo, Zé Hilton, João Fernando e muitos outros (protético), Seu Zé Craibeiro, pai de Givaldo e Assis (comerciante), Zé Elias, pai de Paulo (barbeiro), Zé Norberto, pai de Lucy, Seu Manoel Vigário, pai de Maciel (comerciante no Pariconha, acho que um de seus filhos é o atual prefeito de lá), Seu George Lisboa, pai de Bezo, Osmar e tantos outros (funcionário da rede ferroviária) e Condillac, o Seu Conde, pai de Linda.
Essas pessoas ajudaram a fazer a história de DG, durante várias décadas, como as pessoas residentes em outras ruas também o fizeram. Elas poderiam ser nominadas por outros freqüentadores do blog e que residiram nessas ruas. Acho que é uma maneira de relembrarmos o passado. Todas essas pessoas que eu consegui citar tiveram, em algum momento, direta ou indiretamente, importância na minha vida, seja comerciando, transportando ou simplesmente me dando atenção e conversando comigo.
Até hoje eu não sei a origem do nome da rua, talvez devido ao número de professoras que lá residiram e escolas particulares que foram por lá sediadas.
Eu morei na continuação da Rua do ABC, que depois passou a ser independente da Rua da Independência (o novo nome da Rua do ABC) com o nome de Rua Pe. Anchieta, logo após o beco, vizinho a casa de Dona Leobina. Hoje o beco deu lugar a uma escola e a casa onde residiu Pepeda foi demolida e virou beco.
Na rua a criançada cresceu jogando bola, castanha de caju, bolinha de gude, pião, peteca, empinando papagaio, pegando borboletas (lembra disso Eraldo), passarinhando no mato (atrás do Cemitério, ou no cercado de Jaime) e fazendo corridas de caminhão construídos com restos de madeira obtidos na marcenaria de Seu Cícero de Duca que ficava na Rua da Travessa. O interessante em Seu Cícero, pai de uma numerosa prole, era o sistema de assovio que ele usava para chamar cada um dos seus filhos. Cada um tinha um assovio próprio.
Um fato interessante da Rua do ABC. Tôtô até já fez um comentário a respeito. Foi a primeira rua a ter televisão em DG. Um determinado dia, em uma das casas que ficavam entre a casa de Tôtô e a casa de Zé Panta chegou um novo morador. Ele era proprietário de um caminhão que fazia viagens pra São Paulo e resolveu comprar um aparelho de televisão. Comprou e instalou uma antena que devia ter mais de 15 metros de altura e direcionou para onde ele achava que era Recife. Com a tecnologia daquela época a única coisa possível de se pegar era chuvisco. A CHESF ainda não tinha instalado as torres repetidoras que depois fariam o link entre Recife e Paulo Afonso. Mesmo assim a meninada ficava na janela olhando aqueles chuviscos e imaginando ver alguma imagem. A Rua do ABC (prefiro chamá-la assim), era dividida por um canteiro onde foram plantados pés de algaroba e castanhola. Entre a casa de Dr. Ulisses e de Seu George Lisboa tinha dois ou três pés de ficus (chamávamos de figo), ainda jovens se comparados aos frondosos que ficavam em frente à Casa de Saúde. Nas noites quentes de verão ficávamos aproveitando uma brisa e até aparecia vez por outra um violão para despertar algum cantor adormecido. Ao que me consta Kleber era o único na rua que tinha um violão, além de Lula Braga é claro, porém esse era um instrumento semi-profissional, marca Del Vecchio. Carlinhos as vezes dava uma fugida com ele e aí tirávamos uma palhinha.
Agora lembrei, também morou na Rua do ABC o Seu Antonio Panta, pai de Nildo Pantaleão (acho que é tio-avô de Aline). Nildo passou um tempo em São Paulo e voltou cantor. Lembro de algumas serestas que ele e Kleber fizeram.
Enfim essas são algumas das lembranças que eu tenho. Gostaria de encontrar por aqui relatos de pessoas que residiram em outras ruas. Não precisa ser texto literário (esse não é). Apenas conversa pra ser jogada fora, do tipo: você lembra de fulano, que morou na rua tal e era pai de sicrano? Tens notícias desse povo? Sabe o que aconteceu com eles?



