Publicado originalmente no site www.ferreiradelmiro.com
no link http://www.ferreiradelmiro.com/2013/11/delmiro-e-seus-barbeiros.html?fb_comment_id=fbc_369505569851441_1791124_369519443183387#fd7ae50d4 e republicado por aqui com a devida autorização.
Este é um texto que gostaria de ter escrito. Parabéns ao Gerd Baggenstoss. E grato ao site Ferreira Delmiro por autorizar a reprodução.
Delmiro e seus Barbeiros.Texto de: Gerd Baggenstoss
8:30, a cidade assume uma condição
diferente aos sábados, dia de feira. No calçadão, o movimento é frenético, a
passos largos, sacolas e bolsas encaminham-se as suas casas em todas direções
movidos pelo bater consecutivo do relógio. Viver é preciso. O último suspiro da
manhã vai desaparecendo a cada leve e precisa laminada entre a pele e os pêlos
do cliente, entre o olhar atento à lâmina e a conversa desapressada e mansa do
dia a dia, sim, são os barbeiros delmirenses, figuras dignas de uma laminada
histórica.
Faz tempo que eles estão lá, margeando
a atual Avenida Castelo Branco, assumindo o papel que lhes cabe, embelezar o
rosto das pessoas e a cidade de causos. Peculiar é o tratamento que se recebe.
Ao chegar a barbearia, o tempo vai amoldando-se, tranquilamente ao ambiente.
Gentilmente, se é recebido, pede-se tempo para limpar eventuais penugens.
Senta-se na cadeira, a conversa segue lenta e aprazível logo atrás. Pede-se,
ainda, um tempo para preparar o creme, enquanto é mexido, há noutras conversas,
tudo para lentamente... o cliente espera sentado, olhando através do espelho,
onde as pessoas gazeteiam a cidade. Pelo estender do tempo, as conversas cruzam
o reflexo do espelho, e não há necessariamente aquela pressa habitual que a
busca do vil metal impõem, não, há apenas o tempo solto, descolado de toda a
realidade que a rodeia. A lâmina começa a trabalhar, ela é indiferente ao
tempo, mas não ao percebimento.
A cidade, efusiva, costura o tecido
invisível do tempo sem perceber-se. Os carros param no sinal apreensivos,
outros passam apressados do outro lado da rua, uns não percebem os outros.
Mesma situação ocorre noutros cantos, o desapercebimento parece ser a regra,
bem diferente da barbearia. A corrida do lucro e do trabalho vai determinando o
bater das horas pelo resto do dia. Os hábitos da cidade, as pequenas
transgressões, histórias de bar ou piadas, vão passando paulatinamente a seara
virtual. Um minuto nesse mundo, é bem diferente de um minuto na barbearia.
Parar aqui significa perceber a fantasia avassaladora de que tempo é dinheiro.
A lâmina trabalha com pressa, indiferente ao outro, mas nunca ao tempo.
A barbearia sempre fora um lugar da
mais alta importância para a povoação, ali, para além das conversas, vai-se
construindo a ideia de pertencimento, a ideia de
similaridade, ali ponteia-se o tecido cultural de uma cidade e o tempo não
é pautado pela financeirização excessiva da sociedade. A globalização, por
outro lado, retira a condição de pertencimento, forma uma massa incauta de
consumidores a reboque dos interesses econômicos, subdividindo-os através da
diferenciação. Rumo à perfeição conceitual existe até receita para estar
inserido neste hipertexto: estar com agenda cheia de atividades marcando passo
nas relações humanas através da impessoalidade. Aqui, temos uma marca dos
nossos tempos, e isso é uma lâmina fria e afiada que nos separa da cidade de
forma brutal. A barbearia, com seus poetas, vendedores, gazeteiros, aposentados
e desocupados, reafirma um propósito de que uma outra cidade é possível.
É possível buscar a
partir desse peculiar modo de vida uma reinvenção da cidade, e quem sabe até,
propositivamente, a desaceleração consumista a qual estamos submetidos. Não se
trata apenas de mitificar um passado recente no qual a barbearia era um dos locus mais
importantes da cidade, onde as notícias passavam pelo crivo dos homens de
barba, e o tempo era só mais um detalhe no cabedal de conversas. A barbearia e
seus bons barbeiros, atualmente põem em xeque a integridade do pensamento
moderno de que todo o tempo está a disposição da busca frenética do dinheiro
através do trabalho, eles, redefinem a condição de tempo a partir de uma
experimentação da lâmina, do espelho e de boas prosas.
Bem fácil, aliás, é
encontrar um barbeiro e seus grupos nas transversais da avenida principal. Cabe
ainda, uma homenagem tardia a todos os barbeiros que construíram e
desconstruíram, literalmente, os homens desta cidade. Salve os Raimundos, Ciços
e Barbeirinhos, agradecimentos aos antigos Valter (Rapô), João Bráz, Zé Pedro,
Ciço Garapa e outros que o esquecimento nos faz incorrer na omissão.
12 comentários:
Agora o desafio é listar o nome dos barbeiros da cidade?
att, Fernando
Pra isso é só começar. desde os atuais aos do passado.
Zito cabelereiro, Bom Sossego.
Eu tenho um amigo que cheguei a trabalhar com ele na Fábrica da Pedra( Companhia Agro Fabril Mercantil ) na época. Saí da Cidade por alguns anos. Quando voltei ele estava trabalhando de Barbeiro. Cortou o meu cabelo algumas vezes. Não sei se ele ainda exerce a profissão e nem se ainda mora na cidade. Seu nome, coincidentemente, é Delmiro. Algum de vcs o conhece?
Tony Lima
São Paulo
César, não sei se tu sabes, meu caro...mas costumo passar férias em Delmiro. Aí já sabe, preguiça de fazer a barba e vamos ao Barbeirinho. Quando chego lá(no beco de tio Zé Balbino), como sempre(no 2º horário) encontro Barbeirinho dormindo. Porta da barbearia aberta e Barbeirinho sentado na cadeira de barbear, dormindo rsrs. Durante o barbear, Barbeirinho fala sobre futebol( é torcedor do Santos), política,religião, clima, e qualquer outro assunto que o cliente pestanejar rsrs
César, e demais amigos delmirenses...certa feita, por volta do início da década 70, fui cortar cabelo com o Tipó. Tipó perguntou se eu queria o cabelo arredondado ou quadrado na parte de trás da cabeça rsrs sei lá acho que foi assim que ele perguntou. Respondi: Quadrado! Tipó danou a tesoura no mais singelo estilo quartel do exército. Quando terminou, colocou o espelho pequeno para que eu desse o aprove do corte. Foi aí que percebí que meu cabelo estava quase militar rsrs olhei no espelho tive vontade de chorar rsrs. Ainda tive que pagar por aquele desmatamento. Mas valeu...valeu como hitória rsrs
Me desculpe meu caro Edmo,Como poderia me esquecer de Barbeirinho, uma figura carismática que conquistava seus clientes com sua maneira de ser, sempre bem hunorado!
Na minha época seu salão ficava num beco que ligava a av. Presidente Castelo Branco a Praça Tamarineira.Acho que era isso!
Tony Lima
São Paulo
Eu morava na vila da fábrica, na rua Rui Barbosa. Lá havia vários barbeiros, mas eu era freguês do Zé Pedro. Não sei se se trata do mesmo que é citado no final do texto, pois isso já vai muito tempo, era no meado do século XX. - Custo zero, pois Zé Pedro era casado com uma tia minha.
César, se não falha a memória, tinha um barbeiro também muito conhecido, ele era torcedor do Botafogo/RJ., e como o seu nome ainda não foi lembrado, pergunto: Você se lembra de Mané Cesário?
Genilson
Olhando a primeira foto do salão de barbeiro de raimundo, eis que vejo VIRGÍLIO GONÇALVES, falecido, infelizmente, há poucos dias, aos 83 anos.
Era/foi locutor do PRC e tinha uma veia poética, um sujeito que gostava de emitir opinião sobre quaisquer assuntos nos bate-papos delmirenses. Muito triste a notícia. Mas um grande nome das persolalidades de Delmiro que se vai...
André.
CADÊ TODO MUNDO...
É Ademir Feitosa, parece que o pessoal esqueceu o blog mesmo. Também pudera, só se fala em Facebook, Whatsapp,etc... Convoca o pessoal aí gente! Não deixem o Blog cair não.
Tony Lima
São Paulo
Boa tarde sr.andré me emociona a forma respeitosa em que menciona o nome do meu pai obrigado pela consideração . Luciano Gonçalves
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