Trazemos de volta um tema já falado outras vezes: Loucos Delmirenses. O texto veio à baila porque recebi um email bastante interessante enviado pelo Sr. Cliuton.
Pedimos ao leitor um pouco de paciência pois a postagem ficou bastante extensa. E o leitor em tempos de internet de banda larga é muito mais exigente e por vezes impaciente. No entanto, para perfeito encadeamento da história do famoso “Américo Carvoeiro” se faz necessário o resgate de trechos de postagens passadas.
Tudo começou quando no antigo blog onde o primeiro texto era:
DE MÉDICO E LOUCO TODO MUNDO TEM UM POUCO
Texto originalmente postado em: 14 de novembro de 2004.
E cinco anos depois resgatei o mesmo texto devido o bug que houve no primeiro blog fazendo sumir os comentários. Abaixo apenas parte do texto onde eu fazia referências ao personagem delmirese:
QUINTA-FEIRA, 19 DE NOVEMBRO DE 2009
Loucos Delmirenses
Texto de César Tavares
“Toda cidade tem algumas pessoas que fogem dos padrões “normais”, algumas delas são chamadas de loucas. No entanto cada uma delas tem uma história de vida. Geralmente desconhecemos a “origem de sua loucura”.
Na nossa infância ouvimos histórias a respeito dos loucos locais, e sentimos um certo temor destas pessoas. Há muita invencionice e folclore. Nada provado obviamente. Mas a tradição permanece e passa de geração a geração.
...
AMÉRICO CARVOEIRO : Um senhor alto e barbudo. Suas roupas eram negras da fuligem do carvão que vendia. Fedia muito. Sua característica marcante era que ele tinha um excelente vocabulário. Falava muito bem. E não sei a veracidade. Mas ouvi muitas vezes minha mãe falar, que ele foi estudante de medicina. E que a sua loucura foi proveniente de uma desilusão amorosa! A sua figura metia medo na meninada. Ninguém mexia com ele. E quando passava pelas ruas, geralmente havia um certo temor da meninada.”
...
Então entre outros comentários o nosso leitor Pauríliofez o seguinte comentário:
Paurílio disse...
"Dos citados no texto, apenas me lembro de Bau e Américo Carvoeiro.
Bau era mesmo sujo, fedorento, não falava direito. - Américo Carvoei-
ro ou, como aprendi a chamar, Américo Doido, transmitia a nós, meninos da minha época, um certo terror. Seu aspecto era de meter medo a qualquer um que não soubesse que se tratava de pessoa pacata. Coberto de pó de carvão, dos pés à cabeça, vestes rotas, diziam que trocava de roupa uma vez no ano. Muitos garotos zombavam de Américo, gritando apelidos como: "engenho d'água", "pau de arara" e, como era de se esperar, ele reagia. Talvez até para tentar conter os meninos, muitos adultos contavam fatos sobre o Carvoeiro, por exemplo, dizendo que deu uma surra num garoto por ter este lhe jogado um desses apelidos e que tal garoto chegou a vomitar sangue. Creio mesmo que era mais lenda, apenas para amedrontar a garotada, evitando que se aproximasse do Américo.
21 DE NOVEMBRO DE 2009 21:33
E após algum tempo o Cliuton nos trouxe o seu comentário que a seguir reproduzo por aqui. Pois geralmente os leitores não tem por hábito (re)visitarem postagens mais antigas.
Cliuton disse...
"Senhor César, a história do Americo Carvoeiro não é bem aquela. Não teve nada de amor mal correspondido e nem ele estudou medicina. Naquela época, ele, ainda rapaz estudou em recife, mas apenas coisa de ginásio mesmo. Ele realmente falava bem. O que aconteceu com ele foi que, nos tempos das volantes, no meio das caatingas em perseguição à Lampião (ele e tantos outros eram contratados pela policia para ajudar na captura dos cangaceiros), muitas vezes tinham que tomar água contaminada, quente, de poços infectados etc. Numa dessas excursões ele pegou uma pneumomia pesada. Seu pai o levou a Paulo Afonso, ele se curou mas ficou com problemas mentais. O nome do seu pai era Manoel Livio, tinha uma loja (Loja do Povo) na antiga Rua do Progresso. Essa loja foi vendida ao Sr. José Vieira, pai do Dimas, que depois ficou com a loja por herança. Bem, eu e o américo, por parte de pai, éramos irmãos. Só que ele foi do primeiro casamento. Detalhe; o Américo tinha uma memória de fazer inveja, se ele te vendesse fiado, podes crer, mesmo sem anotar, não esquecer! Um abraço.
6 DE OUTUBRO DE 2010 22:31
E agora para o fecho da história trago o texto na íntegra recebido via email enviado pelo Cliunton
"Senhor César,
Estive dando uma olhada, no seu blog, sobre os loucos de Delmiro Gouveia e lá deixei um comentário sobre o Américo Carvoeiro. Como o conheci de perto, vou contar mais algumas curiosidades sobre aquele maluco. O Paurilio, lá, no seu comentário, falou que, certa vez, o Américo deu uma pisa num garoto e esse chegou vomitar sangue, mas, o Paurilio, acha que aquilo era só lenda. Era não! O cara matou o garoto mesmo! Seguinte; ele não mexia com ninguém se não mexessem com ele. Certa ocasião, um garoto o chamou de "engenho dágua", apelido que ele detestava, e ele bateu demais no garoto. Na época, o pai do Américo, bancou todo o tratamento da criança em Paulo Afonso, mesmo assim ele morreu. O pai do menino falou antes, que, se o filho morresse o Américo pagaria com a vida. O pai do louco falou pra o pai do menino que faria tudo pra salvar a criança, mas, se ele morresse, nem pens asse em fazer nada contra o Américo, pois este era maluco, o garoto é que mexeu com quem não devia! e daí pra frente... seria entre eles.
A roupa dele era muito suja sim, mas não lembro se fedia tanto. Acho que o pó do carvão funcionava como um desodorante natural (rsrsrs)! No dia em que ele tomasse um banho (coisa de uma vez por ano) vestia uma roupa nova, geralmente aquela mescla azul, precursora do jeans, calçava uma alpercata xô boi, nova, apregava pedaços de pneus nos solados e as amarrava aos pés com um cordão grosso, que ele arrumava com alguém, na fábrica. Só a tiraria dos pés no próximo banho! A unica pessoa que ele confiava era o Zé Maria, fundador do Cine Real e tambem comerciante na Rua do Progresso. Era este senhor que guardava o dinheiro dele. Além de "tesoureiro", era também o cara que comprava a roupa e a alpercata, quando o Américo pedia.
Também sou de Delmiro, estudei com o Argemiro, na Esco la Paroquial N. Sa. de Fátima, e depois no Grupo Escolar Delmiro Gouveia. Me diverti muito com as brincadeiras promovidas pelo então seminarista Didi, no pátio antiga igreja. Ainda morro de saudades da minha infância, ainda morro de saudades daquela bucólica Delmiro que não existe mais.
Um abraço,"
Cliuton Cavalcanti
17 comentários:
César, essas informações sobre o famoso Américo Carvoeiro que o Cliuton nos traz, são muito boas. Muita coisa que escrevi anteriormente, ele confirma. Boa essa: ele fez parte das volantes que perseguiam Lampião. Também ouvia mesmo muitos falarem sobre o fato de Zé Maria dar uma atenção ao Américo, ser o seu tesoureiro, providenciar roupas e calçados novos para ele, etc. Não deixava de graça nenhum carvãozinho vendido. Quando ele ia à dona de casa fazer alguma cobrança e esta pedia pra ele voltar tal hora porque o marido ia chegar com o dinheiro, na hora exata marcada, ele estava de volta àquela casa batendo palmas: "Dona da casa! O dinheiro do carvão!". Pontualidade que às vezes deixava a madame louca, principalmente se o patrão ainda não tivesse trazido o dinheiro. - Tenho na mente ainda a figura do grande Américo Carvoeiro ou Américo Doido que com o seu jeito de ser, percorreu as nossas ruas, uma figura esquisita, com um saco de carvão na cbeça, passos rápidos... E ainda transita nas mentes de muita gente, como nós hoje.
Se Cliuton ainda acessa nosso blog, gostaria que ele esclarecesse um fato citado: que devido a uma pneumonia adquirida quando perseguia Lampião, Américo teve que ir para Paulo Afonso à procura de tratamento. A cidade não existia naquela época, surgiu a partir da década de 50.
Quem diria que um "mero" carvoeiro teria sua biografia em debate na internet! Andy Warhol, na década de 60, já antevia que no futuro todos teriam seus 15 minutos de fama.
Ainda sobre Américo, quando menino ouvi de alguém que o mesmo, num acesso de loucura, colocou-se no meio da ponte da linha férrea, no Desvio, despido, e gritava: "Aproveitem, mulheres, enquanto é tempo! Venham, mulheres, aproveitem!" É bem verdade que sobre os pobres débeis mentais se diz muita coisa, enfeita-se muito. Mas agora não quero arriscar dizer que esse fato é LENDA. Será que Cliuton tem conhecimento dessa proeza do Carvoeiro?
Oi César!
Gostaria que o amigo postasse, lá no blog, essa informação complementar ao Paurílio.
Um abaço.
Será, Paurilio...
Paurílio, talvez você tenha razão quanto a cidade que o Américo foi levado quando doente. Eu ouvia essas histórias quando tinha 7 ou 8 anos de idade, meus pontos de referência, em matéria de lugares fora de Delmiro, eram sempre Recife e Paulo Afonso. E, na época que eu comecei a saber, os fatos já haviam acontecido há muito tempo. Porém, falar que Paulo Afonso só surgiu em 1950, me deixou uma dúvida; em 1951 tive bronquite asmática, passei um tempão me tratando com o Dr. Antenor (uns 3 meses), como a melhora era pequena, minha mãe me levou a P. A. e lá já havia um ótimo centro comercial, transporte urbano grátis, um hospital que era ponto de referência na região e uma qualidade de vida be m melhor que a nossa, em Delmiro. Mais ou menos nessa mesma época, o "Zé Toquinho" (assim era chamado), aquele mesmo da sorveteria, foi esfaqueado por engano, nas costas, e foi levado às pressas para ser atendido em Paulo Afonso, daí a minha dúvida quanto ao surgimento da cidade.
Olha, aquela do Américo, é verdade sim (rsrsrs). Mas, conforme eu soube, não foi na ponte não! Nossa velha cidade, até 1950, tinha um problema muito grande de água, as mulheres lavavam roupa num certo local à beira do açude. O Américo, maluco de carteirnha, pegava dessa água pra beber, num certo dia, quando havia lá um monte de lavadeiras ele fez aquilo que você falou. Só que, pelo que eu soube, foi assim; encheu o pote, equilibrou-o no chão e aí sim, baixou a calça, a cueca e, já com a genitalia à mostra, falou... "aproveita mulheres!!! enquanto Braz é tesoureiro!". Nem precisa falar que foi uma correria geral!
Cliuton
Muito interessante este debate sobre a questão das datas. Bem eu cheguei em DG em junho de 1969, e nesta época, quando se precisava de qualquer serviço médico com um pouco mais de qualidade era preciso se deslocar até Paulo Afonso.
Agora há algo em relação a datas. Meus pais se casaram no inicio de 1958, e na mesma semana foram "tentar a vida" em S.Paulo. E minha mãe nos contava que levaram 11 dias viajando de caminhão, e que para atravessarem o S.Francisco era utilizada uma balsa. A ponte foi construída quando? Os deslocamentos em busca de qualquer serviço na cidade vizinha eram feitos como? Hoje, acho que em menos de 45 minutos se chega.
Cliuton, considerando que as construções na CHESF começaram em 1949, a partir daí é que podemos pensar na construção também do hospital da empresa que atendia não só os chesfianos mas à população em geral. Por muito tempo foi um hospital de referência para aquela região. Hoje o padrão não é o mesmo. - Até que sei um pouquinho sobre o Américo. Errei só uma bobagem quanto ao fato que lembrei no meu comentário anterior.
Cliuton, se você fizer uma pesquisa sobre Mata Grande-AL, verá que no passado, entre 1870 e 1929, ela se chamava PAULO AFONSO, exatamente porque naquela época o seu território abrangia a famosa cachoeira. Será que podíamos pensar naquela Paulo Afonso como sendo a cidade para onde foi levado Américo, em busca de tratamento?
César, antes da ponte metálica, Ponte D. Pedro II, a travessia era feita no Porto da Barra. Quem ia de DG a Paulo Afonso, passava pela Vila Zebu, prosseguia um pouco mais e chegava ao Porto da Barra. Havia uma balsa de madeira para a travessia de carros. Também havia canoas, lanchas. Outro ponto para a travessia ficava na cidade de Glória, com uma balsa maior, de ferro, mais segura. Conheci apenas a passagem do Porto da Barra. - A ponte D. Pedro II ficou pronta em 1958, inaugurada por JK. (Seus pais se anteciparam na viagem, quase que evitavam a balsa).
Bem interessante este debate. No ultimo comentário fiquei a saber de fatos que não sabia a respeito de como era realizado a travessia de Delmiro a Paulo Afonso em balsa pelo então rio São Francisco.
Desde já faz parte da historiografia alagoana passada em meados depois da Republica velha.
Valeu!!
Luiz
César, havia outros caminhos, evitando-se o Porto da Barra. Em Paulo Afonso, meu pai conseguia autorização na CHESF e passávamos sobre a barragem da represa, chegando ao lado alagoano, na Vila Zebu e ali apanhávamos o caminhão de Manula para DG. Para os meninos era uma verdadeira aventura. Mas quem conhece aquela região e sabe como é longa a barragem, pode ter ideia até do perigo que se enfrentava. - Outro trajeto era sobre a Velha Eugênia (não sei a origem do nome), uma ponte de madeira construída numa parte estreita do rio São Francisco, começando nas proximidades daquela região onde fica o Belvedere, na CHESF, terminando na Vila Zebu. Muitas vezes passei por ali, no mesmo caminhão da CHESF, dirigido pelo mesmo Manula que fazia DG-PA e vice versa. Era uma viagem bem mais rápida do que a feita pelo Porto da Barra. - Manula tinha família na rua José de Alencar, na vila operária. Recentemente, em 09 Set último, foi colocada uma foto no blog onde estão quatro moças. Uma delas, Noélia, tem parentesco com Manula, é filha ou sobrinha, não posso confirmar.
César, Paulo Afonso pertenceu ao município de Gloria até 1958, quando tornou-se independente. No entanto já possuia a condição de distrito desde 1953 e antes disso possuia uma expressiva população. Seu desenvolvimento antes da criação da CHESF em 1948 esteve ligado ao comércio de bovinos, a localidade era utilizada como pouso de boiadas. Meus ancestrais que vinham da Bahia para Alagoas comerciar bois na Várzea do Pico provavelmente pousavam por lá. Posteriormente fundaram o povoado do Sinimbu. Quanto a Mata Grande, seu nome de 1860 a 1929 era Paulo Afonso, sua área (incluindo Canapi e Inhapi) abrangia os atuais muncípios de Água Branca (Pariconha e Delmiro Gouveia incluídos) e Piranhas (Olho d`Água do Casado incluído). Água Branca foi elevada a condição de cidade em 1919.
Paurílio,
O episódio de Américo Carvoeiro nu na ponte do Desvio foi verdade, meu pai confirmou, inclusive ele também dizia "aproveite que tá durinha".
Américo também morou na Rua Euclides da Cunha, próximo a casa de Chico Pereira.
Certa vez chegou um circo na cidade e o palhaço saiu pelas ruas usando pernas de pau bem altas, gritando: “hoje tem espetáculo?” e a meninada gritava: “tem sim senhor”, e todas aquelas frases que se seguem. Quando chegou à esquina de Dolfinho, a pirralhada viu o Américo, que morava nas proximidades, e começou a gritar “Engenho D´Água” repetidas vezes, Américo pegou um pau e saiu correndo pra cima de todos, a meninada correu e ficou só o palhaço sobre as pernas de pau, sem saber o que fazer. O Doido ficou doido, rsrsrs, e partiu pro lado do palhaço, que se agarrou a um poste enquanto o Américo, pulando com o pau na mão e batendo no poste, tentava derrubar o coitado, e apavorado, animador de circo. Na outra esquina os meninos começaram a gritar, outra vez, pelo apelido do Carvoeiro, que abandonou o palhaço pendurando no poste e saiu correndo atrás dos “meliantes mirins”. O palhaço aproveitou o momento, desceu das pernas de pau, colocou as ditas debaixo dos braços e saiu em disparada em direção ao circo.
Eu fico aqui imaginado a cena, deve ter sido muito engraçado, rsrsrsrsrsss.
kkkkkkkkkkkkkk Perfeita a historia Eduardo.
Genial. Eis uma grande verdade: cutucar onça com vara curta não é uma boa. Fico a imaginar o espanto do pobre palhaço que possivelmente não conhecia o Américo. O primeiro encontro com certeza jamais lhe saiu da cabeça.
Reproduzo email enviado pelo Hugo Sandes.
Caro César,
Foi com imensa satisfação que recebi seus comentários, apesar de ter saído em 1972 de Delmiro; lembro-me bem de alguns loucos(que não faziam mal a ninguém) um deles só como exemplo, Ciço Geoba(devo ter uma foto dele) odiava bebida alcoólica, e adorava café(carregava sempre uma caneca esmaltada) onde as pessôas enchia-a para o seu deleite. Em hipotese nenhuma deveria ser quente, apenas morno, caso contrario ele xingaria todas as mulheres da familia; era uma graça. Te enviarei material assim que possivel.
Abraço
Hugo Sandes
Por que nao:)
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